A área em análise localiza-se em terrenos confinados pela Rua Diogo Cão, Calçada da Boa-Hora, Travessa das Dores e Rua da Aliança Operária, na Ajuda - Lisboa. Os trabalhos arqueológicos foram realizados na sequência do projecto de loteamento da zona, com vista à construção de edifícios de habitação.
O terreno em questão localiza-se numa zona extremamente sensível do ponto de vista arqueológico, paredes meias com os recém-conhecidos sítios da Travessa das Dores (NETO, REBELO e CARDOSO, 2015, pp.235-280) e Rua dos Quartéis (PEREIRO e BASÍLIO, 2017). Identificado em 2013, a Travessa das Dores revelou uma série de realidades do Neolítico Final e Calcolítico, nomeadamente: estruturas negativas em fossa, escavadas na rocha, logo seguidas pela abertura de um fosso e, mais tarde, por várias ocupações de época Calcolítica.
Numa primeira fase, de diagnóstico, os trabalhos arqueológicos realizados em 2017 no Loteamento do Rio Seco consistiram na abertura de 12 sondagens de diagnóstico manuais e três valas de sondagem mecânicas, implantadas de forma a obter uma melhor leitura espacial sobre o terreno em causa.
Num primeiro momento realizaram-se 10 sondagens manuais, nove de 2x2m e uma de 3x3m. Face à não suficiência dos resultados alcançados, optou-se por abrir mais duas sondagens manuais de 2x2m e três valas de sondagem mecânica. Estes trabalhos permitiram reconhecer a presença de uma série de contextos arqueológicos enquadráveis cronologicamente na Pré-Histórica recente.
Nesta segunda fase, os trabalhos de escavação arqueológica realizados tiveram em conta os dados recolhidos na primeira fase, com o intuito de aferir o valor dos contextos arqueológicos colocados a descoberto na plataforma inferior da área em análise, tal como exposto na reunião com a DGPC tida no local a 27/08/2017. Para esse efeito, optou-se pela divisão da área designada por “plataforma inferior” em dois sectores, Sul e Norte, iniciando-se a intervenção pelo sector Norte, numa área de cerca de 3089m2.
Os dados até agora obtidos permitem uma leitura aproximada da realidade histórica do sítio do Rio Seco, em concreto da área alvo dos trabalhos aqui apresentados. Situado entre linhas de água que tinham em Monsanto a sua origem, esta zona, com uma implantação de fim-de-encosta junto à margem direita do Tejo, revelou-se ao longo dos tempos um sítio ideal para o estabelecimento de ocupações humanas, com especial impacte para ocupações do Neolítico Final ao Calcolítico Inicial/Pleno. Mesmo nas suas proximidades, encontravam-se recursos essenciais à prosperidade das comunidades pré-históricas, como fontes de água, solo arável, pedra e alimentos de origem estuarina.
A escavação da área Norte revela um grande potencial arqueológico no âmbito da sua ocupação em tempos pré-históricos, com várias estruturas, que, no entanto, sofreram, em geral, uma grande afectação, de ordem natural e antrópica, em períodos anteriores ao nosso. Assim, a maior parte da área não revela vestígios com relevância patrimonial, encontrando-se, no sector A, infra-estruturas de perfil industrial, coetâneas com soluções de transformação (e remoção de detritos) ligadas a fornos a lenha e carvão, do final do século XIX a XX, bem como muros, sapatas, caixas pluviais e outras infra-estruturas do edificado, previamente demolido.
De outras cronologias, nomeadamente romana e moderna existem outras evidências. De época romana encontram-se diversos materiais, potencialmente fora do seu contexto original de deposição, nos depósitos que cobrem os níveis pré-históricos, conjuntamente com outros mais antigos (pré-históricos). De época moderna existem algumas evidências de uso do solo, bem como algum material arqueológico em clara deposição secundária, na cascalheira [1336], que enche a [1340].
Pese embora este evento de origem fluvial torrencial que afectou e destruiu uma parte dos vestígios (sector D), no topo da [1307], com estes trabalhos, conseguiu-se definir contextos e materiais, de época pré-histórica.
Assim, até ao momento, os dados obtidos nesta segunda fase da intervenção, ainda que preliminares, permitem uma aproximação à caracterização dos níveis pré-históricos, sobretudo da afectação que estes sofreram em períodos anteriores ao nosso.
A SE/E, consecutivamente, de Oeste para Este, sectores B, C e D, surgem uma série de níveis sedimentares e níveis pré-históricos, cujas singularidades não se encontram totalmente aferidas, mas que indicam a presença de contextos de ocupação, abandono e pós-abandono de épocas entre o Neolítico Final/Calcolítico.
Nos trabalhos realizados, identificou-se, então, uma série de estruturas datáveis do Neolítico Final/Calcolítico, com localizações espaçadas no terreno, que permitiram distinguir três áreas:
1. Na área Oeste (Sector B), regista-se o derrube [1633], o depósito [1640] e o concheiro [1617], numa zona “encaixada” entre vários muros e estruturas do anterior edificado;
2. Na zona central (sector C), caracterizada por derrubes, com pedras de pequena e média dimensão, espalhadas maioritariamente de forma aparentemente aleatória, percebendo-se duas grandes concentrações, com material pétreo mais “encaixado”. É ainda perceptível a existência de muros delimitadores de amplos espaços, possíveis enrocamentos (aglomerados em área concentrada de pedra solta), lareiras e alinhamentos de menor dimensão, bem como níveis de derrube associados às ditas estruturas.
Regista a continuação do muro [1321] para SE, descoberto nos trabalhos do ano passado e deste ano, bem como um outro muro, a Oeste deste, e duas concentrações de pedras, uma correspondente a pedras não imbrincadas e outra imbrincadas. Para além destes elementos identificou-se um pequeno alinhamento semicircular e outro, ainda não completamente definido, de planta oval, bem como um derrube de pedras de grande dimensão;
3. Na área Este (Sector D), num nível inferior, afectado pelo evento fluvial em época moderna/contemporânea, com vários blocos de grande dimensão, sendo ainda discerníveis alguns alinhamentos, muros, concheiro, derrubes e aglomerados de pedra dispersa e lareiras. Este nível de ocupação da Pré-história recente forma-se sobre um nível coluvionar [1307];
Nesta primeira análise aos contextos identificados, pode-se afirmar que os depósitos sedimentares e contextos arqueológicos contêm na grande maioria da área materialidades de época pré-histórica, dos finais do IV, inícios do III milénio a.C. Comprova-se, deste modo, que genericamente os depósitos da mancha castanho-escura cobrem contextos pré-históricos (nível de abandono) e que a mancha de depósitos castanhos-claros suporta, em grande medida, na zona central e Oeste, o nível de ocupação pré-histórica, ou a última fase desta, da mesma forma que o depósito [1307] a suporta na zona mais a Este.