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EntradaProjectos2014Rua da Adiça, nº 1 a 3, Lisboa
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Rua da Adiça, nº 1 a 3, Lisboa

Entre 24 de Março de 2014 a 9 de Setembro de 2015 procedeu-se à intervenção arqueológica nos edifícios sitos na Rua da Adiça, nº 1 e 3-3A, torneja para a Rua São João da Praça, nº 2-4 e 6-8, torneja para Beco do Guedes, nº 2, na antiga Freguesia de São Miguel (Alfama), actual Freguesia de Santa Maria Maior. A obra em causa inseriu-se no âmbito do Programa de Investimento Prioritário em Ações de Reabilitação Urbana (PIPARU), procedendo a C.M.L.-
U.I.T. Centro Histórico/Divisão Baixa à reabilitação dos imóveis.

Os trabalhos arqueológicos foram autorizados pela DGPC através do seu ofício nº S- 2014/335905 (CS 929443), datado de 18/03/2014, referente ao procº nº 2004/1(722) (CS121059).
Os edifícios em questão encontravam-se devolutos há vários anos, tendo as coberturas e pisos interiores ruído quase por completo. Nesse sentido, o estado de iminente ruína implicou, com urgência, a consolidação e estabilização das fachadas. Tomando em consideração estas condicionantes, a primeira fase de trabalhos arqueológicos consistiu na realização de valas de diagnóstico, c. 0,60m de largura e cota de afectação de 0,75m, em redor dos edifícios, de forma a avaliar o estado de conservação das fundações e posterior consolidação e estabilização das mesmas. Cumprindo os mesmos objectivos, procedeu-se também nesta fase à escavação de cerca 0,30m de profundidade para colocação do massame, na área total ocupada pelos ditos edifícios.
Na prossecução dos trabalhos de movimentação de solo para a implantação das sapatas, iniciou-se a segunda fase de trabalhos arqueológicos, com a realização pontual de sondagens de diagnóstico de 1x1m e seu sucessivo alargamento em vala. O aparecimento de contextos ocupacionais distintos levou, numa terceira fase, à escavação em área do Edifício A e cerca de 2/3 do espaço ocupado pelo Edifício C. A quarta e última fase incidiu no edifício B com a abertura de uma área de 3,20 x 1,70 m junto ao canto noroeste, e no edifício C com a escavação de uma vala com planta em H de 4 x 0,90 m, ambas com a finalidade de instalar a fundação das escadas.
A intervenção arqueológica registou, assim, assimetrias consideráveis entre os três edifícios em função da área e potência estratigráfica escavada. Esta divisão irá refletir-se no tipo e volume de dados arqueológicos recolhidos, mais complexos e extensos no Edifício A.
Da vasta panóplia de testemunhos, distribuídos desde a época romana imperial até à actualidade, salientam-se: as estruturas-base de um complexo termal romano, a inumação de um jovem indivíduo associado à Antiguidade Tardia, a descoberta de níveis de ocupação muçulmana e a urbanização da área adjacente à Cerca Velha no século XVI.

Tendo presentes as dificuldades na obtenção de sequências estratigráficas seguras, sobretudo devido aos constantes revolvimentos a que o subsolo foi sujeito devido à acção construtiva do homem, dificultando o enquadramento contextual e cronológico dos materiais exumados, pensamos ser possível estabelecer algumas coordenadas temporais.


Época Romana
O conjunto edificado em análise ocupa uma área cujos primeiros vestígios de ocupação humana remontam à Época Romana Imperial, período em que a cidade romana se estendia a oriente até à Regueira (actual Rua da Regueira) – limite físico imposto pelo curso de água.
O local de implantação do complexo termal, intimamente ligado a uma linha de festo, denuncia a sua proximidade a águas termais (pelas quais Alfama é historicamente conhecida) e a facilidade no acesso a madeira, necessária ao processo de aquecimento das águas no edifício termal. Usufruindo também da proximidade de uma porta de entrada na cidade de Olisipo e por consequência de um importante eixo de circulação, as termas identificadas demonstram uma concepção complexa integrada na malha urbana da cidade.
No entanto, a área na qual foram descobertas as evidências de estruturas termais corresponde a um espaço extramuros, a partir dos séculos III-IV, de acordo com os dados arqueológicos fornecidos pela intervenção arqueológica dirigida pela arqueóloga Manuela Leitão no sito Pátio de Senhora de Murça que comprovou a construção do perímetro amuralhado em época tardo-romana.
Será incontornável contudo a possibilidade de dois momentos de funcionamento do conjunto edificado romano:
1. Momento Ante quem as estruturas termais são construídas no decorrer dos séculos I-II
d.C e encontram-se integradas na organização interna da malha urbana de Olisipo;

2. Post quem – Posteriormente, com a construção da muralha tardo-romana nas suas proximidades, os banhos são anulados funcionalmente.
Enquanto símbolo físico da mentalidade romana, o complexo termal apresenta uma possível planta de simetria axial cujo programa arquitectónico se caracteriza pela identificação de dois hipocaustos. A ausência de outros elementos estruturantes termais (frigidarium, por exemplo), traduz-se em informações sobre o provável prolongamento do edifício termal para sul, além dos sucessivos reaproveitamentos das estruturas romanas por posterior ocupação humana em Idade Moderna.
A constante originalidade na concepção de uns banhos no mundo civilizacional romano resulta na dificuldade de adscrição tipológica e cronológica impedindo, neste caso, o desenho hipotético da sua planta. Por sua vez, dificulta também o conhecimento sobre a sua área e por conseguinte dados sobre o seu carácter público ou privado.
Por último, o complexo termal identificado sobrepõe-se a um estabelecimento romano cuja planta e funcionalidade não foi possível reconstruir nem definir.


Antiguidade Tardia e Idade Média

A paisagem peri-urbana e o paradigma de utilização do complexo termal viria a ser profundamente alterado nos séculos V a VII, período em que a anulação funcional do sítio converge na sua ruína.
Neste cenário é inumado um jovem indivíduo, de possível origem suevo-visigoda (séculos V- VII), depositado, segundo o ritual cristão, simbolicamente fora do circuito amuralhado e junto a uma das portas de saída da muralha tardo-romana, utilizando como marco físico as ruínas das termas romanas.
Relativamente à Época Medieval Muçulmana, o espólio cerâmico exumado no canto sudoeste do edifício A apresenta características ligadas ao consumo doméstico e à iluminação, associadas à produção local nas olarias da cidade islâmica de Lisboa, entre os séculos XI e XII. Contrariamente aos dados que documentam a adaptação e reutilização dos edifícios termais romanos pelas comunidades islâmicas no Garb al-Andalus, como por exemplo as termas de Milreu, neste caso não só as termas foram abandonadas pela sociedade antecessora como também não se observou a urbanização deste espaço durante a ocupação muçulmana (714- 1147).
Durante o Período Medieval Cristão, a área em estudo por estar localizada defronte para a Igreja de São Pedro, num lugar de sociabilidade e trocas comerciais para os moradores do bairro oriental, não seria ainda urbanizada. Salientamos, no entanto, que já se encontrava protegida pela Cerca Fernandina desde finais do século XIV.
A anterior teoria pode ser contraposta com a destruição de elementos construtivos medievais pela construção do edifício em época moderna, contudo, e apesar de os fragmentos cerâmicos balizados temporalmente nesta época histórica se registarem em depósitos de aterro atribuídos à Idade Moderna, não foram identificados quaisquer vestígios estruturais.


Idade Moderna

Época de crescimento urbano associado a uma densificação demográfica proporcionada pelas riquezas advindas do comércio ultramarino, o bairro de alfama assistiria a uma transformação considerável provocada pela crescente importância portuária da Ribeira e pela expulsão manuelina dos judeus da “Judiaria Pequena”.
A construção do presente conjunto de edifícios em período moderno enquadra-se na conjuntura dos Descobrimentos, com a substituição das casas térreas pelas sobradadas tendo em conta o aumento populacional.
O esquema tipológico e elementos arquitectónicos atribuíveis à época moderna são os seguintes:
• a presença de típicas cantarias modernas ainda hoje visíveis no primeiro e segundo andar;
• os elementos decorativos enquadrados sobre o chanfro que emoldura as portas nos edifícios A, B e C;
• no interior os bancos de pedra junto à janela do Edifício C;

• como vãos exteriores, além das duas janelas dos dois pisos superiores, as casas possuíam duas portas no piso térreo, uma de acesso à loja e outra de acesso à habitação;
• as portas não possuem qualquer pormenor decorativo ou recorte correspondendo assim a uma aproximação ao gosto clássico;
• tradição construtiva através da partilha das paredes-mestras entre o conjunto edificado.
No século XVII, precisamente no ano de 1650, o edifício já se encontra cartografado no mapa de Lisboa de João Nunes Tinoco. Arqueologicamente relacionado com este século, constatamos a execução de silos que ao destruírem o provável pavimento em tijoleira [245] também rompem os estratos de ocupação romana. No seu interior exumaram-se panelas completas de asas horizontais torcidas, coevas do século XVII a par de material cerâmico romano revolvido.
Com o terramoto de 1755, sabemos que a Igreja de São Pedro caiu em ruína mas no caso do conjunto edificado em análise a preservação dos dois primeiros andares, implica que, pelo menos, as fundações exteriores terão permanecido intactas até ao segundo andar.


Idade Contemporânea

Relativamente às estruturas identificadas no edifício A foi possível verificar a existência de várias fases construtivas.
No edifício C, compreendemos a organização interna do andar térreo, com a identificação de três níveis de circulação – nível inferior com a descoberta de duas caves (1º), nível de loja (2º) e um nível de habitação superior implantado numa plataforma sobre-elevada (3º).

Artigos relacionados: 

- As termas romanas ás portas de Alfama (I Encontro de Arqueologia do Centro de Arqueologia de Lisboa).

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