Os trabalhos arqueológicos foram desenvolvidos pela Neoépica em sequência da conservação/alteração de uma fracção de um edifício localizado na Rua António Maria Cardoso nº25-1º piso e R/C nº29, situado na zona do Chiado em Lisboa, antiga freguesia da Encarnação, actual freguesia da Misericórdia. Importa porém realçar que a área específica do nosso estudo, que se prende com o logradouro do edifício, localiza-se no nº 25-1º piso, da referida rua.
A fracção do edifício em questão localiza-se numa zona sensível do ponto de vista arqueológico, local alvo de sucessivas ocupações, entre as quais a da muralha Fernandina que cercava Lisboa desde os finais da Idade Média e ao longo de época Moderna.
O projecto de reabilitação em análise contempla para além da renovação do interior com a recuperação do existente, também a reabilitação da área do logradouro localizado nas traseiras da fracção, local onde se desenvolve a Muralha Fernandina. Neste local existe um pequeno terraço implantado sobre a Muralha Fernandina. O projecto a implementar prossupõe o desmonte de todos os elementos contemporâneos que incorporam esta construção, bem como uma ligeira ampliação da mesma. Nesse sentido, e de forma a dotarmos a equipa projectista de todos os dados necessários ao conhecimento exacto dos diferentes elementos construtivos existentes naquele espaço, procedeu-se a realização de trabalhos arqueológicos prévios que possibilitassem identificar a localização exacta da Muralha Fernandina e respectiva altura conservada, bem como o conhecimento da sequência estratigráfica da área do logradouro, onde serão implantadas as sapatas e respectivos pilares de suporte da ampliação do referido terraço.
Deste modo os trabalhos arqueológicos passaram pela realização de duas sondagens de diagnóstico de solo, com 2x2m, uma implantada junto ao alçado Este do suposto troço da Muralha Fernandina e outra na área de incidência de ampliação do terraço a construir. Os trabalhos foram ainda complementados após abertura da sondagem de solo localizada junto ao paramento Este da muralha, pela picagem parietal de todo o alçado obtido com a abertura da sondagem de diagnóstico, estendendo-se a mesma por todo o alçado do terraço, perlongando-se mesmo no topo deste, de forma a identificarmos com clareza qual a altura ainda conservada do troço da Muralha Fernandina ai existente. Foram ainda realizadas mais cinco sondagens parietais, de menores dimensões realizadas não só na área do terraço, como também na área da escada que dá acesso ao referido terraço e no troço da muralha que inflete para Este, sobre a qual foi também construída um pequeno mirante/estufa pertencente ao edifício vizinho.
Os trabalhos realizados no edifício número 25 e 29 da Rua António Maria Cardoso, Chiado, Lisboa, em concreto a escavação de duas sondagens de solo e a picagem de sondagens parietais, permitiram estabelecer, de forma global, uma sequência entre o período medieval (Muralha Fernandina), a época moderna e contemporânea.
Com a realização das sondagens de solo, verificaram-se algumas camadas correspondentes a aterros, nomeadamente [105], [108], [202], [203] e [204], cujos materiais a elas associados indicam serem de cronologia contemporânea. Deste período são igualmente alguns pisos como calçadas, [103] e [201], pavimentos em alcatrão, [101] e [200], e pavimentos em tijoleira cerâmica, [100] e [212], identificadas em ambas as sondagens.
Foram identificados ainda depósitos, [111], [112], [207], [208] e [209], cujos materiais a eles associados permitem datá-los de época moderna, mais especificamente finais do século XVII e os inícios do XVIII. Sobre estes depósitos foi identificada uma calçada [110] e [206], cuja construção constitui uma actividade posterior a este período, podendo mesmo esta ter sido edificada num momento pré-terramoto. A cobrir directamente a calçada identificou-se um nível de incêndio, constituído por abundante cinza e madeira carbonizada [109] e [205], que podemos hipoteticamente associar ao grande incêndio que em 1 de Agosto de 1841, deflagrou na área ocupada pelas barracas, que acabou por destruir a maior parte destas habitações precárias, o que levaria ao reordenamento urbanístico de toda esta zona de que resulta a actual configuração do edificado e das ruas anexas.
Com a picagem das sondagens parietais foi possível determinar que a estrutura presente no logradouro das traseiras do edifício reconhecida como um terraço corresponde a um reaproveitamento contemporâneo da Muralha Fernandina. Esta estrutura edificada em época medieval encontra-se, portanto, preservada não só sob os níveis actuais de circulação como ao longo de toda a estrutura que está actualmente visível nas traseiras do edifício, exceptuando-se a zona do topo do terraço, onde foram construídas as floreiras e as respectivas guardas do terraço que datarão provavelmente de meados do século XIX. Desta altura datará também a escada de acesso ao referido terraço (consultar capítulo 6 do presente relatório).
Os trabalhos possibilitaram ainda perceber que a Muralha Fernandina junto às escadas mencionadas anteriormente, inflete para Este, criando o que Vieira da Silva define como sendo o 3º redente. Sobre a estrutura defensiva, foi posteriormente construído um mirante/estufa de cronologia contemporânea, ainda visível no local.
Responsáveis pelo Projecto: Nuno Neto, Vanessa da Mata e Paulo Rebelo